quinta-feira, 24 de julho de 2014

Inês

Sempre que irrompia por algum lugar adentro o aparato que a fazia anunciar-se era de um ruído tal que até os olhares mais distraídos se impossibilitavam de não pousar sobre si. A incapacidade para silenciar o mundo e estar a sós consigo faziam-na um monstro de necessidades afectivas, procurando companhia no mais aberrante dos desconhecidos, recheando a sua agenda de pequenas pausas para um café com sabe-Deus-quem de forma a que o seu calendário parecesse muito mais primaveril do que era na realidade. Inês acompanhava sempre com uma fofoca largada ao acaso enquanto acendia cigarros compulsivamente, com um respirar ofegante e um gesticular apressado. Parecia que o mundo a notificava constantemente para um sem número de actividades aborrecidas quando o seu maior tédio era a ausência delas, fazendo com que desavergonhadamente duplicasse a importância das suas naturais obrigações de cidadã e hiperbolizasse as diversas trivialidades da vida de uma jovem em final de curso como se de assuntos de estado se tratassem. No fundo era a sua falta de noção de vida adulta, o seu romantismo exacerbado e uma carência afectiva atípica que a faziam refugiar-se numa sede incompreensível e até enternecedora de reconhecimento e amor. Claro que a sua pressa em estabelecer relações muitas vezes condicionava as que tinha e afastava as seguintes pela sua nutrição atabalhoada e apressada. Era a irreflexão das suas atitudes que muitas vezes tornava a sua conduta incongruente e pouco desejada por parte de quem gosta de saber que solo pisa. Na realidade, não errava por mau intuito mas acabava por concretizar meticulosamente cada asneira que cometia pela falta de meditação sobre os seus passos e tal facto, repetido por demasia, proporcionava um desencanto desconfortável no seio daqueles que a estimavam. Era aquela pessoa que tinha amigos em todo o lado sem realmente ser a preferida de qualquer um deles. Era também a que 90% das vezes os procurava com medo de dar espaço que chegue para que nunca mais o façam. Era a que se juntava aos planos dos outros porque tinha demasiado medo de criar os seus e ter que os levar avante sozinha. A preocupação em ser demasiadas coisas, a constante importância que dava ao facto de parecer faziam com que tantas vezes acabasse por não ser coisa alguma e não permitisse aos demais compreenderem quem era na sua essência. Na verdade tinha tudo para abraçar o carisma da primeira linha mas a sede de ser relevante retirava-lhe a despreocupação necessária a protagonizar qualquer acontecimento. A insegurança das suas opiniões embora procurasse ter convicções e justifica-las a uma velocidade agoniante faziam com que tantas vezes fosse descredibilizada sem assim ter que ser. Na realidade, tinha muito talento, uma capacidade executiva atípica e uma veia contestatária digna de exploração que sofriam constantemente dos malefícios da sua descrença e se desvirtuavam pela sua total falta de foco e facilidade de distracção com frivolidades. Tornava-se numa necessidade absolutamente patética e penosa para quem bem lhe conhecesse os defeitos e a sua origem e para quem tivesse a fé que lhe faltava nos seus próprios atributos. Toda a matéria prima era sujeita a um processo de destruição causado pela sua visão evanescente do que realmente devia comunicar de si, desaproveitando tudo o que naturalmente a constituía um ser especial e apelativo.A cultura livresca transbordava a sua locução e tornava o seu discurso aborrecido e pobre em realismo. A constante necessidade de provar o seu intelecto tornavam-no muitas vezes obsoleto e a inconsequência com que muitas vezes se deixava levar pelo momento e por qualquer justificação emocional que decidia atribuir às suas lacunas faziam com que muitas vezes afastasse quem tentasse ama-la como era porque a dúvida residiria sempre no resultado do somatório entre as suas qualidades e defeitos que tantas vezes se afiguravam pouco objectivos e decifráveis. Muitas vezes era a distância entre o seu comportamento e as suas intenções que nos toldava a compreensão acerca da sua essência. Tantas vezes, a falta de cabimento nas atitudes de Inês faziam Júlia distanciar-se do carinho que por ela nutrira por motivo desconhecido e pelo peso que a sua presença representara durante o período mais solitário e contemplativo das emoções nebulosas que o fim do seu último relacionamento lhe tinham proporcionado. Júlia era grata e afeiçoara-se à sua dedicação, à sua disponibilidade e ao seu tempo indeterminado para a ouvir e acompanhar em momentos nos quais ter alguém por perto faz diferença. No entanto acabaram por ser o excesso de dedicação, disponibilidade e tempo que começaram a introduzir na cabeça de Júlia a ideia assustadora de que Inês pudesse querer exigir mais do que esta podia tencionar dar-lhe. Inês começara a requerer um reconhecimento que ultrapassava os limites do razoável, acabando por originar momentos em que Júlia sabia não estar na disposição de exceder as suas oferendas mesmo que a amiga se recusasse a não sofrer diante de si de forma tendenciosa e infantil. Era árduo abrir os braços à forma de exercer o papel de amiga que Júlia adoptava, pela sua paternalização obsessiva e falta de tolerância a que cometessem erros que já cometera ou que jamais cometeria. No entanto, tudo isso ganharia contornos mais dúbios no momento em que o receptor tivesse expectativas diferentes relativamente ao intuito dessa mesma postura. Tudo se transformara agora numa guerra surda em que a comunicação entre ambas se tornara turva e as suas condicionantes pouco esclarecidas. Começava a haver um fosso entre si que se começara a delinear quando o que as unia e o que ambas pretendiam desse laço perdera a especificidade. Júlia sentia-se absolutamente limitada na forma de expor a sua verdade porque no fundo se preocupara com os sentimentos descabidos de uma Inês que insistia em os assumir da forma mais displicente mesmo quando a sua boca jamais o verbalizaria. Cada atitude reflectia essa patologia que jamais desejara e que Júlia se recusara a alimentar em consciência. Era também o que anteriormente fazia com que Inês cortejasse uma Júlia que dependia disso e que agora a fazia retaliar em pequenas idiossincrasias que não passavam sem deixar mazelas. Na realidade era apenas o constatar de que os estilhaços de um embate impossível de prever ganhavam agora vida e começavam a criar brechas num laço que era feito de materiais claramente diferentes aos olhos de ambas as intervenientes.

By Darko

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