sábado, 11 de outubro de 2014

Cardápio

A espera e a dúvida são parasitas que me têm corroído frequentemente. A ingenuidade piedosa de nos querermos agarrar ao que desejamos que seja a verdade, a esperança triste de que nos becos da nossa impotência haverá uma saída que por nós poderá ser posta em construção, o medo agonizante de que o que demonstras mas desejo saber não quereres ser de facto a tua realidade, as horas que despidas me apertam de uma maneira tão diferente do teu abraço. Os meus neuróneos degladiam-se para justificar as tuas atitudes enquanto eu apelo à experiência que te possas enquadrar nos padrões dos meus conhecimentos. A questão é que tu és especial e eu sempre acreditei ser tão ou mais especial que tu, no entanto, de repente sinto-me um verme nos teus sapatos, com esperança de que por mim sintas alguma compaixão. Compaixão o caralho. Eu sei e quero ter a certeza que o que vivemos foi o amor que eu te tenho. Mesmo que a descoberta seja tardia temos que ser exagerados, ridículos e loucos. Temos que traçar um plano e acreditar no seu sucesso, porque embora possamos levar o maior barrete das nossas vidas, podemos também entreter-nos a descobrir a nossa mais recente capacidade de alargar o nosso amor a novas dimensões. Sabemos também que isto vai brigar com o nosso ego, a nossa auto-estima, a nossa sobranceria e o nosso apreço pelo controlo de tudo, mas de que serve sermos quem queremos se não temos quem achamos digno de merecer essa partilha? Perdemo-nos por entre a estrada do desânimo contagioso e dançamos em círculos até sei lá quando, ou arregassamos as mangas, cheios de freio e até com alguma vergonha, e fazemos tudo aquilo que um dia gostaríamos que fizessem por nós. 

Esquecer era uma opção fantástica se constasse do cardápio. 

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Recobro e compostura

"Agora que percebera a mesquinha e infantil vingança de Filipe contra algo que Júlia jamais se atrevera a fazer, percebera que está na altura de colocar a uso a sua maturidade auto-proclamada com alguma urgência. Desta vez iria reagir com dignidade às ondas de indignação que lhe desidratavam a alma e respeitar-se a si e ao que sentia. Iria cuidar de si, tornar-se a pessoa que alguém melhor fará por merecer, não esquecendo todo e qualquer detalhe no qual possa ter tido um papel relevante no desgaste desta relação. Não iria ceder a tentações infantis de ter atitudes irreflectidas com o objectivo de arremessar a sua mágoa, ia acabar com o masoquismo de tornar o seu desgosto no assunto do dia, de se martirizar de ansiedade cada vez que alguém ou alguma coisa que a unissem a Filipe invadissem o seu quotidiano e acima de tudo, iria preservar-se, não iria procurar conforto em corpos estranhos nem iria contaminar o seu intimo enquanto este pulsasse as memórias do seu antigo proprietário. Iria dar uma hipótese ao tempo e aproveitar para se reencontrar consigo, para crescer e saber perdoar, para desejar o melhor e acreditar que se o destino lhes deu esta missão, foi porque estariam à altura dela. Juntos ou separados."

As amizades perversas de Júlia Barnabé by Darko

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

A promessa

Prometi que te vou escrever todos os dias, mesmo que nunca te atrevas a ler-me. Talvez um dia edite um livro com todas as cartas que te escrevo. Provavelmente, como consequência desta indústria esmorecida e morosa, já te terei esquecido quando virem a luz do dia. Ou talvez não edite livro nenhum, para que jamais te esqueça, como se isso fosse possível. Desafias diariamente a minha compreensão e debates-te, par a par, com todas as lembranças insistentes que me tentam fazer agarrar ao dia de amanhã. Eu só preciso de alguém que me dê o mundo, ou pura e simplesmente de ti. O que como imaginas, na minha óptica toldada pelo manto dos afectos, é praticamente a mesma coisa. É complexo sentirmo-nos uma metástase de um cancro no organismo de alguém que para nós é como água. A falta de paralelismo entre as nossas formas de expressar o que sentimos ou mesmo do que se aflora em nós é por demais inconsequente. Eu sei que sou esquecido e despistado, mas não me lembro de ter escondido os atalhos que sempre me levaram até ti e de não os encontrar. Eu dou-te o espaço e o silêncio que me fazem definhar, em troca da certeza de que o que guardas de mim é o meu abraço e o meu sorriso, a minha preocupação e o meu conforto. O meu corpo costumava ser a tua paz e a minha loucura o teu equilíbrio. Lembraste de quando esbarrávamos na cozinha e não conseguíamos proceder sem que os nossos lábios se despedissem até ao segundo seguinte? Lembraste de como terminavas as minhas frases na quietude do teu olhar? Eu lembro-me todos os dias e todos os segundos e recuso-me a deixar-te como uma espinha presa na minha garganta proveniente do que foi o melhor bacalhau espiritual de todos os tempos. Porque nós sempre cozinhámos a vida com quatro mãos e sempre encontrámos nas nossas diferenças a compensação para as nossas lacunas, que ambos temos. Não pintes uma noite por cima do que é dia nem me deixes apodrecer no teu jardim como se algum dia desejasses que eu caia. Porque eu sei que não, sei que não...

By Darko

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Saudade

A minha veia psiquiátrica masoquista
E o meu paternalismo exacerbado
A minha ânsia de um mundo que não se conquista
E a minha incompreensão por não te ter do meu lado

A minha incredulidade perante os imprevistos do tempo
A minha resiliência perante os muros dos quais te rodeaste 
A minha cidade que nos afasta a cada momento 
A minha insistência distante através dos esturros de amor que me cozinhaste

Lembra-te das palavras que outrora me dedicaste 
E do olhar orgulhoso com que me vias entoar-te
Os buracos que escavas na aurora de um desastre
O sentimento furioso com que me induzias a abraçar-te 

O meu medo da tua liberdade que me engole
A incógnita que a distância e tu nos cederam gentilmente 
O segredo que na tua idade se escapa e explode
A majestosa glória de uma arrogância que se escondeu nos teus olhos que cresceram tristemente 

O suicídio dos meus tesouros dos quais sempre ousei rodear-me
As cantigas dos pássaros que nos voam em paralelo sem que façam parte da equação 
Um vídeo dos tantos louros com os quais me deleitei a alimentar-te
As intrigas dos fados que nos roubam o zelo sem que percamos a sensação 

Lembro-me das palavras que outrora te enderecei
A dormência que tu e o acaso me tatuaram
O rasto que fica nas milhas que por ti trilhei 
A sentença de um sonho crú que os teus fantasmas desenharam

Saudade é uma palavra portuguesa e um sentimento extraterrestre
 

sábado, 4 de outubro de 2014

Não

Não queiras o que não sabes amar
Não te esforces por encontrar pretextos para não o fazeres
Não me tomes como um reflexo das tuas dúvidas
Não fiques para me deixar só mais uma vez

Não queiras o que não sabes se queres
Não te empenhes em destruir o que somos
Não me julgues pelo que gostavas que te tivesse feito
Para que pudesses deixar-me sempre com a certeza de poderes ficar

Não me personalizes nos obstáculos que idealizas e nutres
Não me recrimines por ser tudo aquilo que não te permite esquecer-me
Não implores ao tempo que nos roube o que já foi vivido
Não te enganes na tentativa de me enganar quando ambos nos sabemos com uma verdade inquestionável 

Não esperes que te abandone só porque tu já o fizeste
Não desejes que te falhe para que me possas culpar
Não nos digas não quando ridiculamente transbordas sim
Não comeces a nossa história sempre pelo fim

Não sucumbas a essa encruzilhada por onde te perdeste sem nós
Não me abraçes sem quereres querer apenas por saberes que quererás sempre
Não menosprezes a solidez das nossas construções apenas porque tens a luz de uma divisão fundida
Não me faças odiar amar-te por saber que me amas e me tornas a vida fodida.